Professores e alunos do Rio vão ter treinamento para o caso de tiroteios, diz secretário estadual de segurança pública

Delegado da Polícia Federal há mais de 20 anos, o secretário estadual de Segurança Pública, Victor Cesar Carvalho dos Santos, de 55 anos, acredita que o melhor método de investigação é a extração de informações diretamente de “fontes humanas”. Ele afirma que foi assim que conseguiu prender o bicheiro Rogério de Andrade, em setembro de 2006, e diz ter feito o mesmo no fim de 2023, ao tomar conhecimento do interesse do chefe da maior milícia do Rio, Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, em se entregar. Para Victor Cesar, abrir diálogo é fundamental. Agora, depois de três meses à frente da pasta, ele volta a apostar na mesma estratégia, mas com outro foco. Procurou o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), para tratar sobre a ADPF das Favelas, ação que visa a reduzir a letalidade policial. Na conversa, as equipes dos dois acertaram que as escolas serão avisadas sobre operações policiais uma hora antes e informou que planeja oferecer treinamento para alunos e professores enfrentarem situações de risco. Veja a entrevista.

 

Em três meses no cargo de secretário, como está sendo a estruturação da pasta?

Estamos planejando uma política de segurança pública, o que não existia. A secretaria tem como meta três pilares: fortalecimento institucional; valorização do policial, neste caso, o capital humano, que é o ativo mais importante de qualquer empresa; e o investimento em tecnologia como ferramenta de transformação da segurança pública. Eu quero ter o diagnóstico da segurança até o fim de março, seguindo o raciocínio de que os estados precisam acompanhar as diretrizes do governo federal.

Como resolver as questões impostas pela ADPF das Favelas para reduzir a violência policial?

Fizemos em três meses o que não se conseguiu em três anos. O primeiro passo foi assumir a responsabilidade. Então, a responsabilidade hoje é da Secretaria de Segurança. Minha equipe já esteve com a do Fachin e iremos nos reunir, pessoalmente, no próximo dia 15, quando o ministro estará no Rio. Mostraremos para ele como é feito o controle de armas e munição das polícias. A ideia é dar a maior transparência possível. Além disso, nos comprometemos a regulamentar a participação de vítimas e familiares na investigação de crimes. Nas operações em (áreas com) escolas, a gente vai delinear os horários. O acionamento das secretarias (estadual e municipais de Educação e de Saúde) para avisar da operação será cerca de uma hora antes. Vamos investir na capacitação de professores e alunos. Mesmo assim, aqueles desavisados vão saber exatamente como proceder para se proteger no interior da escola, seja professor, aluno ou funcionário. A ideia é fazer uma capacitação desse professor, com exercícios semestrais, igual em casos de incêndio. Também haverá o atendimento psicológico aos policiais que participam de confronto. Essa avaliação não é no sentido de punição, como: “Você participou de um confronto, vai ficar afastado”. Não é isso. Ele tem que ser avaliado, saber se está bem.

Haverá mudanças na perícia, devido à crítica de ser ligada à Polícia Civil?

Você não sabe hoje qual perito que vai ao local de crime. Isso vai para uma distribuição como acontece num processo judicial. Ou seja, você não direciona o caso para um perito. Na Polícia Federal, a gente tem um dos centros mais avançados do mundo, o Instituto Nacional de Criminalística (INC). Então, esse é o modelo que a gente quer trazer para cá.

O que fazer para levantar verbas para custear essas melhorias?

A ideia é a seguinte: é fazer esse investimento e deduzir do crédito que a União tem com o Rio. Isso vai atender ao anseio não só do estado, mas também do governo federal. Também estamos conversando com municípios que recebem royalties do petróleo.

Apesar de o ISP apontar para a redução da letalidade policial, os índices ainda são altos, não?

Hoje eu posso adiantar que a letalidade está ligada diretamente ao aumento de crimes contra o patrimônio praticados com violência ou grave ameaça, principalmente com o uso de arma de fogo. Ou seja, quanto maior o índice de crimes praticados com violência ou grave ameaça com o uso de arma de fogo, maior o índice de letalidade. Por isso, será criada uma fórmula matemática, que você aplica em qualquer região, para entendermos melhor o que está acontecendo e possamos atacar o problema. O ISP está fazendo o estudo e irá validar o método, se ele cumpre o papel de justificar o motivo dessa alteração dos índices de letalidade. Se tenho alta letalidade e baixo número de crimes, vou ter ali um grupo de extermínio. Tem alguma coisa errada. Então, eu consigo ter essa luz laranja.

Sobre a política de segurança pública, o que pretende fazer com as UPPs e o Cidade Integrada?

A questão é: a UPP hoje atende aos objetivos e às necessidades de quando foi criada? Talvez sim, talvez não. Talvez apenas algumas ou todas atendam. Não sei. E a ideia não é só avaliar isso. Eu quero saber qual o custo e o benefício. Do que as pessoas que moram nessas comunidades precisam. O mesmo estudo será feito com o Cidade Integrada. Isso será feito com a certificação da FGV (Fundação Getulio Vargas) e da Uerj.

Como será o enfrentamento ao crime organizado?

O combate à milícia foi merecido. Eu já tive um tio morto pela milícia. Sei como funciona essa desgraça, merecia uma resposta. Mas, ao longo dos últimos anos, se esqueceu um pouco das facções do tráfico. Agora temos tráfico agindo como milícia e vice-versa. Enfraquecendo uma facção, a outra vê uma oportunidade. As favelas são muito próximas, e as facções acabam se unindo contra um inimigo comum. A lógica é mercadológica. Todo mundo quer lucro. Por isso, a investigação financeira é o caminho, a médio e longo prazo, para tirar esse poderio bélico e territorial das organizações criminosas.

Como foi a estratégia para que o Zinho se entregasse?

Chegou para mim que ele queria se entregar. Comecei a buscar nas fontes humanas. Levantei a advogada dele, da parte financeira, não da parte criminal. Ela veio aqui na secretaria e negociamos a rendição dele. Avisei à Polícia Federal e chamei a 8ª DPJM (Delegacia de Polícia Judiciária Militar) da PM para acompanhar a rendição. Por que fiz isso? Porque havia a possibilidade de o Zinho ter mandado matar a policial Vaneza Lobão, que pertencia àquela unidade. Foi graças aos contatos, a informantes. Na PF, usamos informantes. Tínhamos verba para isso. Quero tentar fazer isso. Criar uma forma de pagar, legalmente, por informantes.

O senhor prendeu o contraventor Rogério de Andrade, em 2006, foi com esse tipo de informação?

Dependemos de boas informações. Depois da prisão, me encontrei com Rogério três vezes por acaso. Numa delas, estava com um juiz amigo num restaurante da Barra. Ele chegou antes de mim. Não havia nada contra ele na Justiça. Ele pediu ao garçom que me perguntasse se eu queria que ele saísse. Eu respondi que não. Não se pode misturar as coisas. As pessoas falam da minha visita ao Falcon (Marcos Falcon, policial militar suspeito de envolvimento com a milícia) na prisão. Ele era meu informante. Prendi muita gente com a ajuda dele.

Fonte: https://leiaisso.net/0ai4x/

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